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Foto do escritorrodrigo pazetto

10 percepções de 2020



Neste ano tão desafiador nos tornamos mais observadores. Além de todas as mudanças internas e externas, foi possível aguçar e confirmar percepções. Divido hoje com vocês um pouco do que aprendi em 2020, refletindo sobre os anos anteriores e o que foi diferente nesse ano, diferente (pra não dizer bizarro).


Eram tantas as parrillas acesas ao mesmo tempo, que a sensação era de existir uma camada a mais na atmosfera. No final de uma manhã de domingo em Montevideo, o cheiro e o “humo” se fusionavam de Carrasco ao Mercado del Puerto, tornando uniforme o aroma de churrasco.

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Esta narrativa parece ser totalmente neutra para um uruguaio que viveu toda a sua vida comendo carne nas brasas, conforme a cultura local. Mas para mim, no papel de viajante, esta foi a percepção.

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Cultura é um conjunto de coisas que “deram certo” numa determinada população e, por isto, continuam sendo feitas. De um determinado ponto, que não se sabe exatamente qual, não se questiona “por que é feito assim?”, mas se repete o ato. E assim fazemos com um grande conjunto de hábitos.

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A cultura é uma teia de atos mais amplamente executáveis e não necessariamente mais corretos ou estratégicos. A cultura latina de acomodar as ações dentro de sentimentos humanos, valorizar mais os produtos do que os serviços e conduzir os sabores de uma forma totalmente peculiar, parece ser imune a qualquer tentativa de mudança. Esta é a parte da cultura que não perece. Mas algumas vezes a solução de um problema coletivo está justamente em teimar com a cultura e criar mudanças ou inovação.

Pseuclichês são os meus, clichês verdadeiros são os dos outros. É assim a humanidade pensa. Há uma intersecção nos atos humanos: repetem-se e acabam convergindo a determinados fatos que geram os mesmos sentimentos. Cada um com suas nuances, é claro, mas sem exceções.

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Fatos como o nascimento de um filho, o medo da pandemia ou a comemoração do sucesso mesmo na crise. Ou também o ato de explorar novos destinos, dominar novo conhecimento, ser reconhecido, resolver uma questão complexa, conquistar o que se deseja, ser consultado na expertise, reunir a família, rir com alguém, ver a vida por outro ângulo, entristecer-se com as perdas, experimentar sentimento de chegadas e partidas. 


Fórmulas de persuasão foram tão exaustivamente usadas sem nenhum critério que a confiança, naturalmente construída ao longo dos séculos nas sociedades, entrou em uma crise interminável.  

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Atualmente é (praticamente) impossível executar um projeto, comprar um item ou submeter-se a um tratamento sem se dedicar a uma exaustiva pesquisa, por exemplo. Mesmo depois de toda a dedicação, é capaz de termos a sensação de ainda não estar fazendo a coisa 100% certa.

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As relações comerciais, companhias aéreas, instituições financeiras, a engenharia, a medicina, o direito, o ensino, a segurança, a imprensa, os consultores, os técnicos, os produtores, os criativos, os administradores, os esportistas, os políticos, as artes, as atividades recreativas, os historiadores, os viajantes, os formadores de opinião, os religiosos, os disruptivos. Todos estes (e muitos outros) na mesma situação: precisam da confiança como um fio condutor para, de fato, ser o que são.

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É momento para repensar a confiança e perceber o conhecimento como verdadeira ferramenta de condução, de crescimento e de reparação das sociedades e coletivos modernos. Sem esquecer que o conhecimento pode, potencialmente, habitar qualquer cérebro aberto a abrigá-lo, e não necessariamente somente aquele professor celebridade que você encontrou no Youtube!

George Eastmann, ao usar seu ano de 13 meses, pensou no tempo como uma espécie de rebeldia. Acabo reproduzindo isto, por pensar que um ano por si só não é a representação real do tempo.

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O tempo tem os seus caprichos de não passar, tem a generosidade dos ciclos e às vezes uma crueldade em se demorar. Mas o tempo, afinal de contas, é o que realmente cada um de nós temos. O tempo é individual. O tempo é uma dádiva.

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Mergulhamos por muitos anos em um mundo pronto. Ficamos distraídos e nos esquecemos que ainda pertencemos aos ciclos do tempo, exatamente como esquecemos que doenças e pragas não cessam. Ciclos de plantio e colheita são eternos. E não falo no aspecto agrícola do termo, mas no intelectual.

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Seres humanos ficam torporosos com ideias prontas. Viver de verdade é testar hipóteses, é melhorar o que temos por base e recriar matrizes de pensar e agir.

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Neste ano testamos muitas hipóteses. Nos testamos. Caminhamos por novas estradas, muitas vezes bem solitárias. Nos isolamos e encontramos a individualidade no nosso tempo.

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Não se sabe o que será do futuro. Sempre foi assim, mas parece que agora estamos mais cientes. Nada vai mudar magicamente na virada do ano. Talvez não estejamos tão otimistas mas, com certeza, estamos todos mais rebeldes e vivendo o tempo além dos 365 dias de cada ano. 

Destinos nunca foram tão bem consolidados quanto em uma Era em que não se pode acessá-los. Acesso local e regional supriram as síndromes de viajantes compulsivos por ora, mas não apagaram os sonhos de visitar e retornar aos centros urbanos icônicos do mundo.

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A impossibilidade de explorar nos deu mais tempo para planejar e isto vai mudar nossa maneira de realizar estes sonhos. Talvez alguns façam com mais calma, outros com mais pressa. Talvez tenhamos mais viajantes, talvez menos. Mas, com certeza, chegaremos aos destinos com mais sede de viver, explorar e conhecer.

Entre as narrativas e estratégias mentais exageradas da esquerda e a obviedade silenciosa da direita, continuamos a nos debater nos verdadeiros plebiscitos eleitorais. Continuamos rejeitando uma escolha política e cedendo lugar a outra que consideramos em alguma instância "menos pior", mas, quase nunca, fazendo uma escolha consciente e real do que gostaríamos de eleger como representante.

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O modelo democrático representativo em essência já entrou em questionamento inúmeras vezes, bastando analisar quantos mandatos entregamos em sequência a alguns representantes, que falham em acumular resultados ou criação de qualquer tipo de capital. Acabam representando a si mesmo, ao final de tudo.

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Depois de consolidado o “establishment”, o sistema politico torna-se um organismo vivo e se nutre de capital para movê-lo, reagindo e rejeitando qualquer ameaça pessoal, intelectual, moral, capital ou de qualquer meio que tente moldá-lo a serviço real da sociedade. Assume vida própria.

Revolução de recursos tecnológicos, gerando uma batalha para usá-los de maneira mais racional e sem resistência. Uma grande disputa de tecnologia versus mentalidade.

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Em diversas áreas como saúde, ensino, segurança, alimentação e muitas outras, forças psicológicas de cultura, manutenção de zona de conforto e uma espécie de inércia comportamental, parecem não permitir que usemos os recursos tecnológicos atuais para inovação real e evolução cognitiva no dia a dia. Um uso hedonista dos recursos tecnológicos.

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Como as redes, que servem de palco para vaidades, demonstrações de posse, presenças registradas em destinos turísticos e uma construção de um cotidiano midiático e editado para aquilo que quer que se veja. São como os jogos online, que competem com os exercícios físicos cotidianos . Uma difícil luta para as plataformas de ensino e conteúdo que tem real capacidade de impacto na melhora da qualidade de vida.

Senso comum é que a maneira de proceder, em quase todas as áreas de expertise que a humanidade criou, mudou de forma exponencial nas últimas poucas décadas. O poder de processamento, compartilhamento de informações e a humanização do ensino, apesar de não terem alterado verdadeiramente a capacidade cognitiva humana, criaram uma condição de maior facilidade de busca e aquisição de conhecimento.

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Mas isto parece ter eliminado a cultura dos detalhes, e acredito que são nos detalhes que o conhecimento se diferencia e escreve uma história verdadeira.

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Aguçar a curiosidade com os detalhes, por exemplo. Como tentar processar mentalmente os muitos detalhes de “Juízo Final de Michelangelo” e, entre tantas minúcias intrigantes, ver a figura de São Bartolomeu segurando a própria pele. Esta é uma imagem que nunca abandonou meu próprio imaginário, desde a primeira vez que vi, na Capela Sistina.

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Ou pensar em como grandes compositores conseguiram escrever peças musicais complexas e cheias de pequenos detalhes. Ou ainda, como criativos insistiram em criar projetos infiltrando detalhes para o prazer de quem os descobre.

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Todas estas são formas de expressar complexidade e mostrar as nuances de pensamento, características estas que a humanidade possui o privilegio de possuir.

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Sinto que esse refinamento cognitivo de preservar os detalhes vem se perdendo, pouco a pouco, em tempos mais novos. Talvez esta crise já acontecesse antes da pandemia e só tenha sido potencializada e escancarada por ela.

Depositamos todas as nossas esperanças na vacina, que ainda não tem data marcada aqui no Brasil. Mas e depois? Ela definitivamente não é um botão de desligar para a crise.

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Na nossa sociedade imediatista, sinto que a percepção de resolução as vezes é muito simplória. O vírus fez setores da economia pararem por completo por meses. A recuperação será lenta e não um período definido. Não existe uma chave para ser virada, existe um processo de reajuste, que passa pelos nossos hábitos também.

Embora a comunicação online já faça parte da nossa vida há algum tempo, ela não era nossa única maneira de interação. Reuniões online intermináveis, a necessidade de estar sempre online e a cobrança e produtividade em meio a pandemia nos fizeram criar pequenos mundos particulares.

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O distanciamento social com certeza nos afetou de maneiras que ainda estamos por descobrir. Mas é notório que reduzimos a nossa capacidade de se expressar. A comunicação se tornou direta até demais e diminuímos muito a aptidão de expressar sentimentos mais complexos. Novamente, perdemos a capacidade de observar e comunicar os detalhes.




Rodrigo Pazetto

Co-autoria e apoio textual: Taysi Borraz

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